Páginas

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Da caução como condição para atendimento hospitalar de urgência


A exigência de caução, como condição para atendimento de urgência, é crime?


Atualmente é comum ler notícias de pessoas que são submetidas à exigência de caução – através de cheque, nota promissória, ou qualquer outra forma – no momento do ingresso de paciente para atendimento hospitalar, em situações de emergência.


Ocorre que, quem trabalha cuidando da saúde e da vida não pode tratar sua atividade como um simples negócio jurídico. Não deve exigir prévio pagamento ou caução sem saber, pelo menos, qual a extensão ou dimensão do serviço, o valor, ou a necessidade. Os empresários e profissionais da saúde precisam ter o compromisso de relacionar suas atividades com a dignidade da pessoa humana. 

Nesse sentido, os tribunais entendem que essa exigência de caução ofende o princípio da dignidade humana (art. 1º, inc. III, CR/88) e direitos fundamentais de todo cidadão, como o direito à vida (art. 5º, caput, CR/88) e à saúde (art. 6º, caput, CR/88).

Não se condena a busca pelo lucro. Também não se exige a prática de assistência social pela iniciativa privada. O interesse monetário é inerente à atividade empresarial. Ocorre que o empresário deve atender aos interesses econômicos e, de forma harmônica, não pode ofender direitos fundamentais.

O que se propõe é uma busca por humanização, a fim de que as pessoas não sejam tratadas como mero instrumento na procura por lucro. 

Importante mencionar que, em Minas Gerais, é proibida a exigência de depósito prévio, como condição para atendimento em hospital, conforme consta dos arts. 1º e 2º da Lei Estadual nº 14.790, de 20/10/2003, in verbis


       Art. 1º - Fica proibida, em situação de urgência e emergência, a exigência de depósito prévio de qualquer natureza para internamento de doente em hospital da rede privada.
       Art. 2º - Na hipótese de descumprimento do disposto no art. 1º, o hospital fica obrigado a:
       I - devolver o valor depositado, em dobro, ao depositante;
    II - pagar, a título de multa, valor equivalente ao estabelecido no inciso I ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.
    Parágrafo único. Em caso de reincidência, a multa a que se refere o inciso II deste artigo será de oito vezes o valor exigido para fins de depósito prévio.


Então, a exigência de depósito prévio, “de qualquer natureza”, é proibida. Destarte, impor caução - através de título de crédito - como condição de atendimento urgente em hospital, também é vedado.

Dessa forma, como o consumidor se encontra em uma situação extraordinária, cuja necessidade é imediata, a exigência de caução para atendimento médico emergencial é cobrança abusiva.

Diante disso, a jurisprudência atual elimina a exigência de caução, como condição para atendimento médico-hospitalar de emergência.

Apesar do acima exposto, hospitais e planos de saúde continuam exigindo a indevida caução. O direito privado se tornou insuficiente para tutelar o cidadão nessa hipótese, chamando a atenção para uma aparente necessidade de intervenção penal.

Como o Direito Penal não é a tábua da salvação dos problemas da sociedade, deve ser tratado como ultima ratio, ou seja, como última opção de controle social.

Nesse sentido, o princípio da intervenção mínima determina que a criminalização de uma conduta somente se justifica se for meio fundamental para a proteção de um bem jurídico. Parece que é o caso da mencionada conduta abusiva.

Com isso, no dia 02/05/2012 foi aprovado na Câmara o projeto de lei 3331/2012, que tipifica a exigência de caução em hospital, na ocasião de atendimento emergencial. Então, essa conduta abusiva poderá se tornar crime. Conforme divulgado em 10/05/2012, a proposta, de autoria do Poder Executivo, foi aprovada no Senado e agora só depende da sanção presidencial.

O projeto cria uma nova modalidade de crime, relacionado à omissão de socorro (art. 135 do Código Penal). A sanção penal prevista no projeto para o art. 135-A é de detenção, de três meses a um ano, e multa. Atualmente esse art. 135 prevê pena de um a seis meses de detenção, ou multa.

No projeto também há previsão de causas de aumento de pena, com situação mais grave que as majorantes do atual crime de omissão de socorro. Prevê o projeto que, se da negativa de atendimento médico resultar lesão corporal de natureza grave, a pena será dobrada, e, se dessa conduta resultar em morte, a pena será triplicada.

Nesse mencionado projeto também consta obrigação para o estabelecimento de saúde afixar, em local visível, cartaz, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do art. 135-A do Código Penal”.

Como no Código Penal atual não há crime específico para essa indevida exigência de caução, os tribunais entendem que deve ser analisada conduta do responsável pela conduta abusiva, se houve inobservância de dever de cuidado, bem como a previsibilidade e o nexo causal, entre a conduta e o resultado (morte ou lesão corporal, por exemplo).

Então, a conduta de exigir caução para atendimento emergencial hospitalar poderá se tornar crime: especificamente uma forma qualificada do crime de omissão de socorro. Como atualmente não existe um delito específico, o poder judiciário analisa cada caso e, dependendo da situação, classifica como omissão de socorro (art. 135 do CP), lesão corporal culposa (art. 129, § 6º e §7º, do CP), ou, até mesmo, como homicídio culposo (art. 121, § 3º e § 4º, do CP).



                  


5 comentários:

  1. Tema interessante, faz-nos refletir sobre a necessidade de reduzir os abusos praticados pelos Hospitais particulares e planos de saúde. Em contra partida, o projeto de lei, se aprovado será o atestado de incompetência do governo para gerenciamento do SUS, pois em um país com cargas tributárias tão altas, chagando a galgar as primeiras posições no ranking mundial, não ser capaz de prestar um serviço público de saúde de qualidade para a população. Uma vez que, este tem que em quase todas as vezes apelar para o serviço privado.

    ResponderExcluir
  2. Prof. Henrique, boa noite!
    Achei interessante um especialista em direito penal tratar de um tema, inicialmente, com um viés cível, pelo ao menos por enquanto, até a aprovação do projeto de lei. Ai sim, haverá um tipo penal para tal conduta....
    Pelo que percebi, apenas o depósito prévio é proibido por Lei. Como ficaria então a exigência de cheque caução ou mesmo da nota promissória embora a jurisprudência já tenha conhecido também dessa modalidade? Existiria algum tipo de sanção (cível) parecido com o que foi previsto na Lei 14790/2003 para tal exigência?
    Prof., outra coisa aqui não poderia passar despercebida! É o estado de perigo previsto no CC. Nessa esteira pergunto-lhe: Em havendo a execução, por determinado hospital, do cheque caução anteriormente emitido, poderia a parte alegar o estado de perigo? Qual seria a hipótese de êxito?
    Att
    Leandro Roger Coelho
    07/05/2012

    ResponderExcluir
  3. Realmente, em Minas Gerais é impossivel ter um atendimento de qualidade. Com a exigência do cheque caução eu classifico como uma intimidação. Ou melhor, com coação. Nesta situação o paciente a mercê de atendimento e os familiares, sem qualquer condição de reagir. Considero também a prática como abusiva. Poderia ser tratado pelo CDC. Mas como o abuso de direito é tanto, resultado melhor será para o direito penal resolver.

    ResponderExcluir
  4. Alexander

    As penas para o referido crime vão de seis meses a um ano de prisão, elas se estendem para os casos em que o atendimento é atrasado por procedimentos burocráticos, como o preenchimento de formulários?. E se houver lesão grave em decorrência da falta de atendimento, e como fica quando o crime resultar na morte do paciente.

    Att

    Alexander

    ResponderExcluir
  5. Entrou em vigor a Lei n. 12.653, de 28 de maio de 2012. Ela acrescentou o art. 135-A ao Código Penal:


    Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:
    Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
    Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.



    Agora é crime a exigência de caução em hospital, na ocasião de atendimento emergencial.



    A Lei n.12.653 também prevê, em seu art. 2º, que


    "O estabelecimento de saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do art. 135-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.".

    ResponderExcluir