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domingo, 15 de abril de 2012

Denúncia anônima



DA INADMISSIBILIDADE DA “DENÚNCIA ANÔNIMA” COMO ELEMENTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA “NOTÍCIA ANÔNIMA” EM SENTENÇA CONDENATÓRIA COMO MEIO DE PROVA. ILICITUDE DA BUSCA POR PROVAS – v.g. interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, busca e apreensão, etc – QUE SE INICIAR EXCLUSIVAMENTE POR "NOTÍCIA ANÔNIMA”.



Atualmente é comum ocorrer investigação a partir de informação obtida através de notícia anônima. Os serviços de “disque denúncia” e similares recebem, diariamente, informações sobre supostos crimes.

Busca-se, neste texto, demonstrar que a “denúncia anônima” pode até ser aproveitada para que a polícia vá a algum local verificar a prática de crime, mas nunca poderá ser utilizada como elemento probatório, para basear uma sentença condenatória. Também não poderá servir de justificativa para determinar colheita de prova que dependa de autorização judicial (por exemplo: interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, busca e apreensão, etc).

A CR/88 assegura o exercício de cidadania e de livre manifestação do pensamento, sendo proibido o anonimato (art. 5º, inc. IV, da CR). Então, existe um princípio constitucional que bate de frente à “denúncia anônima”: a vedação ao anonimato. Essa vedação tem por objetivo proteger os indivíduos da crucificação e evitar o desgaste da imagem pessoal e a agressão ao conceito das pessoas perante o meio social.

Entender de modo diverso seria proteger um cidadão que fez uma "denúncia anônima" com o escopo de prejudicar e importunar a vida de outrem, seja por inveja, vingança, ódio, ou qualquer motivo desarrazoado.

A polícia, ao utilizar formas coercitivas de agir e fazer impor regras estatais, não pode excepcionar qualquer direito, pois na CR/88 existem direitos que não podem ser flexibilizados. Compreender de forma diferente seria dizer que o Estado admitiria torturar um preso para que “confessasse” um homicídio. Mesmo em crimes graves, não se pode tolerar a tortura. Essa regra á absoluta e não aceita exceções.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que a CR permite a liberdade de manifestação do pensamento, ela veda que isso ocorra de forma anônima. O autor deve identificar-se, para, se for o caso, responder por eventuais danos e constrangimentos a terceiros, inclusive.

Nesse sentido, não pode uma “denúncia anônima” ser aceita como elemento formador de eventual sentença, porque isso seria admitir um Estado de Exceção. Não há autorização para que se utilize da “denúncia anônima” como elemento probante.

No STF e no STJ é pacífico o entendimento de ilicitude das buscas por provas – v.g. interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, expedição de mandado de busca e apreensão, etc – que se iniciaram exclusivamente por “denúncia anônima”.

O STF, ao regular a atuação de sua Ouvidoria, instituiu a Resolução nº 290, de 05/04/2004, a qual determina expressamente a rejeição das “denúncias anônimas” destinadas a Corte. Nesse sentido, não é aceita, no STF, uma reclamação, crítica ou “denúncia anônima” e, por isso, também não poderá ocorrer nos demais órgãos.

Também nesse sentido, vale lembrar que o “denunciado” tem o direito de demonstrar os motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, etc. E isso faz parte de outro princípio constitucionalmente assegurado: ampla defesa (art. 5º, LV, da CR). Sendo anônima a denúncia, o “suspeito”, fica refém, tendo cerceada sua defesa.

Então, a “denúncia” anônima tem que ser analisada com muito cuidado. A identificação é a garantia de que se ocorrerem danos morais ou materiais ao “denunciado”, ele poderá reclamar judicialmente por saber de quem se trata. Do contrário, se não houver identificação do “denunciante”, ficará ele imune à eventual responsabilidade, criminal e civil. E a sociedade teria que aceitar pessoas que saíssem denunciando, anonimamente, quem quer que seja sem serem incomodadas ou responsabilizadas.

Ademais, a lei penal considera crime a denunciação caluniosa ou a comunicação falsa de crime (arts. 339 e 340, do CP), o que também implica na exclusão do anonimato na notitia criminis. Então, é consequência dos preceitos legais citados a perfeita individualização de quem noticia um crime, a fim de que possa ser punido, no caso de atuar de modo ilícito.

Se o CP tipifica como crime a conduta daquele que dá causa à instauração de investigação policial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os “denunciados” chamar à responsabilidade o autor desse delito se essa denúncia pudesse ser anônima? Quem será responsabilizado?

Caso fosse admitido entendimento diverso, seria muito cômodo para pessoas irresponsáveis formularem "denúncias anônimas" quando desejaram prejudicar seus desafetos. E, os autores de tal irresponsabilidade estariam absolutamente seguros da impunidade com relação à prática dos crimes de denunciação caluniosa (art. 339 CP) ou comunicação falsa de crime (art. 340 CP).

Não se pode aceitar a possibilidade de um cidadão sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por ódio, vingança ou qualquer outro sentimento negativo.

Destarte, pode-se concluir pela inadmissibilidade da "denúncia anônima" como elemento probatório, sendo vedada sua utilização em sentença, como meio de prova. Conclui-se, também, pela ilicitude da busca por provas cuja colheita dependa de autorização judicial – v.g. interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, busca e apreensão, etc – motivada exclusivamente por “notícia anônima”.




15 comentários:

  1. Excelente texto, prof. Henrique Viana. Apesar de ser pacífico o entendimento sobre a matéria nos Tribunais Pátrios, eu tive a oportunidade de ver em algumas decisões do próprio TJMG, que a denúncia anônima não constitui meio de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, sendo que esta delação é apenas meio de notícia por pessoa que não tem compromisso com a verdade, a fim de se esquivar de eventual responsabilidade. Se a autoridade policial recebe a informação (disque denuncia)da ocorrência de crime de tráfico de drogas, por ex., e procede as diligências necessárias para a apuração da infração penal, com fulcro no art. 4º, §3º, do CPP, tais como a montagem de cercos policiais, deslocamento de viaturas para posições estratégicas e etc, logrando êxito em prender em flagrante o suspeito, não há razão para se declarar nulo o procedimento investigatório, eis que a autoridade policial agiu em estrito cumprimento do dever legal/institucional, além do fato de que o inicio da persecução penal foi a apreensão de drogas, não a mera delação apócrifa. O problema é visualizar a relação de causalidade entre a denúncia anônima e persecução criminal, além do motivo da delação não ser, por si só, o motivo exclusivo para a condenação, eis que ela é acompanhada das atividade rotineiras das policias militar e civil (ou federal) para apuração de crimes. Ao meu ver, em casos como esse, deve prevalecer a inteligência do art. 157, §§ 1º e 2º, do CPP. Mas, como muito bem ressalvado pelo Sr., em temas como este, muitas vezes impera o decisionismo ou corporativismo do Poder Judiciário.
    No mais, parabéns, professor.
    Acompanharei constantemente os textos.
    Um abraço!

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  2. Frederico, muito obrigado pelas suas palavras.

    Busquei expor que a “denúncia anônima” pode ser utilizada pela polícia para iniciar diligências investigativas (deslocamento, por ex.), mas nunca poderá servir como elemento probatório, para basear sentença condenatória.

    Outro detalhe importante é que a "denúncia anônima" não serve de motivo para justificar interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, expedição de mandado de busca e apreensão, etc. A notícia anônima não pode ser ponto de partida para colheita de prova cujo método dependa de autorização judicial.


    Grato,

    --
    Henrique Viana Pereira

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  3. Muito interessante o texto, Henrique!
    De fato, a denúncia anônima não deve ser utilizada pelo Poder judiciário como fundamento probatório para a sentença penal condenatória. Ademais, a denúncia anônima pode, tão somente, dar início a um procedimento de investigação policial. Assim, por ser própria da fase de inquérito, é inviável que a aludida denúncia seja utilizada isoladamente para fundamentar sentença, conforme inteligência do próprio artigo 155 do CPP, que veda ao juiz fundamentar sua decisão exclusivamente em elementos colhidos na fase investigatória, ainda mais em denúncia anônima.
    Porém, penso ser plenamente possível à denúncia anônima dar início a uma investigação policial que, a partir da colheita de elementos que atestem a materialidade e a autoria do crime, possa servir de base para o oferecimento da denúncia pelo MP. Ora, se é permitida a notícia crime direta, quando a autoridade policial instaura o procedimento investigatório de ofício, não vislumbro problema algum a que o mesmo procedimento seja instaurado a partir de "dicas" fornecidas anonimamente, sem prejuízo de eventual sanção criminal e reparação civil em caso de ocorrência de dano ilícito ao investigado.
    O importante é que eventual sentença condenatória, por óbvio, dependa de provas produzidas na fase processual, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

    Um abraço!

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    1. Caro Rafael, muito obrigado pelo comentário!

      Realmente, a "denúncia anônima" pode até ser usada - com cuidado! - para iniciar uma investigação. Mas se houver determinação de interceptação telefônica (ou quebra de sigilo bancário, ou outro meio de prova que dependa de ordem judicial) motivada exclusivamente pelo conteúdo de uma notícia anônima, o resultado não será útil, eis que consistirá em prova ilícita.

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  4. Prof. Henrique,
    Seu texto demonstra segurança sobre o assunto. Praxe em seus textos, diga-se de passagem. Operadores e até mesmo estudantes ainda confundem a expressão "vedação ao anonimato". Se lerem aqui não mais confundirão.
    Att
    Leandro Roger Coelho

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  5. Boa noite, gostaria de saber se posso ser processado por uma denuncia anonima que acabe em processo administrativo?
    Se após apuração preliminar for instaurado processo, isso já não proteje o denunciante visto que foi encontrado algo de concreto a respeito da denuncia?
    Agradeço um retorno breve.

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  6. A punição do "denunciante" poderá ocorrer se ele praticar o crime de denunciação caluniosa (339) ou de comunicação falsa de crime (340):

    Art. 339 do Código Penal: "dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente".

    Art. 340 do Código Penal: "provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado".

    At.,

    --
    Henrique Viana Pereira

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  7. Gostaria de saber; depois que faço uma denuncia anônima e o caso é investigado, como a pessoa que esta sendo incriminada é abortada pelas autoridades, no caso de crime contra benefícios de um órgão do governo, ela é avisada que foi investigada devido a uma denúncia anônima ? E por isso não recebe mais seus benefícios, ou eles simplesmente se for o caso entram com a medida a ser tomada?
    Grato

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    1. O suspeito, através de advogado, pode conseguir saber se a investigação foi iniciada através de "denúncia anônima".

      --
      Henrique Viana Pereira

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  8. Sobre meu comentário anterior, tenho uma denúncia a fazer mas sei que se fizer a pessoa saberá quem fez se for falado a ela que foi feito uma denuncia anônima.

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  9. fui denunciada no conselho regional de serviço social por exercicio ilegal,veio a fiscal e constatou que a denuncia não era verdadeira.como fazer para quebrar o sigilo e saber quem fez a denuncia,pois quero processar essa pessoa.

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  10. Prof. qual seu entendimento quando um policial militar recebe denúncia anônima em seu celular pessoal, dá início a investigação e prisão e não remete a policia civil. Qual o crime cometido pelo PM.

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  11. I couldn't resist commenting. Exceptionally well written!

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  12. amigo fui acusado por uma denuncia anonima falsa, e todos me diziam que eu nada podia fazer, por ser anonima, esse texto é nota dez obrigado, vou correr atras do prejuizo agora, e meu muito obrigado.

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  13. Gostaria de saber se uma denúncia anônima feita na delegacia do idoso pode ser revelada o autor?

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