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terça-feira, 8 de março de 2011

Função social da empresa perante o Direito Penal Empresarial

 



O chamado Direito Penal Empresarial, ou Penal Econômico, possui matéria complexa eivada de tecnicismo e de árdua apreensão. Esse ramo do direito visa tutelar a atividade empresarial desenvolvida numa economia globalizada de mercados livres.

Apesar de ser um ramo do direito penal, possui íntima ligação com a atividade empresarial, eis que, nos casos de abuso de direito, os agentes, na busca da maximização de seus lucros, infringem normas de Direito Penal Econômico através de uma sociedade empresária.

Sobre o Direito Penal Empresarial, assevera Jair Leonardo Lopes: Em se tratando das relações do direito penal com outras disciplinas jurídicas, merece referência especial o denominado “Direito Penal Econômico” que, segundo alguns, tem por objeto os crimes praticados “na produção, distribuição e consumo de bens e serviços”. (LOPES, 2005, p. 34).

Destarte, o Direito Penal Econômico trata dos delitos que podem ser praticados durante o exercício de atividade empresarial. São condutas que lesam, geralmente, pessoas indeterminadas. São motivadas, geralmente, pela maximização de lucros. Conforme entendem Paulo José da Costa Júnior e Cesare Pedrazzi, “trata-se, pois, de tutela penal coletiva” (COSTA JÚNIOR; PEDRAZZI, 2005, p. 14).

Esse tipo de tutela penal se justifica pela natureza supra individual dos bens jurídicos protegidos. Por exemplo, a tutela da ordem tributária, através desse ramo do direito penal, visa proteger, ainda mais, a receita tributária, que dará o respaldo econômico para a realização de atividades destinadas às necessidades sociais.

Ainda sobre a tutela da ordem tributária, fundamental ressaltar que a tributação é um eficaz instrumento de erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, na medida em que ocorra uma distribuição funcional da renda.

Vale frisar que a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais constituem objetivos essenciais de nosso Estado Democrático de Direito, conforme dispõe o artigo 3º, inciso III, da Constituição da República de 1988.

O legislador direciona sua atenção, cada dia mais, para a atividade empresarial, prevendo novos crimes empresariais, práticas que lesam interesses difusos. Dessa forma, o ser humano, ao maximizar seus interesses, deve se preocupar com a função social da atividade empresarial e com a geração de bem-estar coletivo. Neste sentido, as palavras de Rachel Sztajn: “A racionalidade dos agentes, um dos postulados econômicos, que leva à procura da maximização de utilidades, e a eficiência alocativa, segundo essa visão, vão ao encontro da idéia de solidariedade e geração de bem-estar coletivo”. (SZTAJN, 2005, p. 76).

E, é claro, o empresário somente irá pensar no bem-estar coletivo se isso não significar prejuízo para ele, aumentando seus custos de modo não eficiente. O custo benefício sempre deve ser analisado, eis que inerente à atividade empresarial. Sobre o sentido de eficiência aqui tratado, importante citar as palavras de Bruno Salama: “Eficiência diz respeito à maximização de ganhos e minimização de custos. Dessa ótica, um processo será considerado eficiente se não for possível aumentar os benefícios sem também aumentar os custos.” (SALAMA, 2008, p. 55).

Nesse sentido, percebe-se que um dos principais objetivos da tutela penal empresarial é assegurar que o exercício da empresa atenda à sua função social, contribuindo para o regular funcionamento do mercado, estabilidade econômico-social e, consequentemente, para um desenvolvimento econômico sustentável. Isso tendo em vista que o legislador deu tratamento mais severo nos casos de ameaça a interesses econômicos coletivos, atendendo a um critério de proporcionalidade e razoabilidade das penas.

Pode-se afirmar que o ser humano, ao exercer atividade econômica organizada, irá analisar todas as consequências de seus atos, tendo em vista que age maximizando seus interesses em busca de lucros dentro de um mercado livre e globalizado. Por isso, para que o Estado consiga que o empresário atue exercendo função social, deve apresentar desestímulos e incentivos para direcionar e orientar as atividades econômicas.

Com relação aos incentivos, a pessoa primeiro busca informações, para calcular o que ganha e o que pode perder com determinada escolha. A respeito dos desestímulos, vale frisar que o empresário sempre tenta antever as consequências de seu comportamento. Trata-se de uma análise de custo benefício, exercício diário na vida de quem exerce atividade empresarial.

Então, uma pessoa analisa todas as variáveis na hora de pensar em infringir ou não uma norma com possibilidade de efeitos criminais. Ademais, conforme entende Steven Shavell (2000), quando um indivíduo resolve cometer ou não um ato criminoso, ele analisará a sanção prevista e o benefício que ela pode obter. Caso a sanção seja superior do que o benefício esperado e a pessoa decida não cometer o ato, pode-se dizer que ela foi dissuadida a isso e o sistema preventivo funcionou da forma esperada.

Para exemplificar, pode-se citar a hipótese de um sócio de uma sociedade empresária que, antes de implantar uma estratégia tributária, consulta um advogado criminalista para saber se sua conduta configura algum crime. E, além disso, quais as consequências jurídicas desse comportamento.

A respeito da relação entre a função social da empresa e o direito penal econômico, pode-se dizer que esse ramo penal visa proteger a dignidade da pessoa humana, bem como desestimula práticas empresariais que prejudiquem os ditames da justiça social.

Neste sentido, Paulo José da Costa Júnior e Cesare Pedrazze asseveram que o direito penal empresarial protege a sociedade, bem como os bens envolvidos na circulação de riquezas, pois visa “assegurar que seu patrimônio se destine à obtenção de escopos sociais” (COSTA JÚNIOR; PEDRAZZI, 2005, p. 16). E, ainda, para esses autores, “a tutela das sociedades como pessoas jurídicas obedece a evidente interesse coletivo: dado o papel de protagonistas que assumiram no sistema econômico nacional, constitui interesse não apenas de seus sócios, mas de toda a Nação, que venham elas a ser geridas honesta e corretamente”. (COSTA JÚNIOR; PEDRAZZI, 2005, p. 16).

A legitimidade da tutela penal empresarial se consolida no fato de que a empresa possui relevante função social e que os recursos econômicos ligados à atividade empresarial se destinam a assegurar melhores condições de vida a todos. Dessa forma, o direito penal empresarial “tem por fim garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social” (PRADO, 2004, p. 31), sob pena de ocorrer responsabilidade penal.

Então, o direito penal econômico visa orientar a intervenção do Estado na economia, com o objetivo de fazer valer a função social da empresa, a fim de punir e evitar que sejam realizadas práticas empresariais abusivas que destoem do contexto empresarial no Estado Democrático de Direito brasileiro.

Neste sentido, as palavras de Ana Frazão de Azevedo Lopes: “O direito certamente não pode esperar que a empresa deixe de buscar o lucro e a eficiência, pois isso seria subverter totalmente a racionalidade econômica existente, sendo previsível a ineficácia de qualquer norma que contivesse previsão semelhante. No entanto, o direito pode pretender regular e adequar a busca da eficiência e do lucro, estabelecendo critérios que direcionem o exercício da atividade empresarial em razão de normas e princípios jurídicos, inclusive para o fim de punir as condutas ilícitas”. (LOPES, 2006, p. 268).

Sempre que ocorrer ofensa a uma norma do direito penal empresarial, a função social da empresa não foi observada. Dessa forma, para evitar que os sócios sejam responsabilizados penalmente, deverá ocorrer conciliação entre a busca por lucros e o respeito às normas inerentes ao exercício da função social.




REFERÊNCIAS


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